Por muitos anos a carne suína foi considerada pouco saudável e mesmo nos dias de hoje, ainda é evitada por grupos inteiros, menos por motivos de saúde do que pelo fato de encontrarem no animal uma espécie de personficação do mal. Quase uma projeção dos aspectos negativos, temidos, detestados e incontroláveis de um indivíduo ou de toda uma sociedade.
Não se pode precisar exatamente a a origem desta associação. No entanto, sabe-se que o porco raramente ocupou posições privilegiada na história. Já no Velho Testamento encontram-se não só restrições ao consumo de carne suína, como também uma das primeiras classificações entre os animais que, por ser pautada num juízo de valor, estabelecia uma espécie de hierarquia entre eles: os "puros" e os "impuros".
Escalado por Moisés para jogar na seleção dos "impuros" , o porco assumiu uma posição da qual nunca mais sairia.
..." também os porcos, porque as unhas são fendidas e as fendas das unhas divididas em duas, ... estes vos serão imundos."Muito mais tarde São Tomás de Aquino manteve, para prejuízo do porco, a mesma escalação.
(Lev. 11,7)
Hoje sabemos, através da história da medicina, que os leitões do Egito eram criados soltos, revirando a terra e comendo resíduos existentes nas margens do Rio Nilo. Possivelmente contraíam ali parasitas de vários tipos e de diferentes classificações, que chegavam ao homem em forma de verminoses graves. Além disso, o calor intenso da região dificultava o processo digestivo do ainda hoje gorduroso porco mediterrâneo.
Através de proibições transformadas em mandamentos, Moisés estabelecia medidas de higiene, evitando doenças transmitidas aos homens através do consumo de carne suína mal cozida. Medidas de saúde pública que, por sinal, ainda hoje não perderam seu valor.
No que se refere aos porcos, também o Novo Testamento não contribuiu para melhorar sua imagem. A associação do animal ao profano, ao impuro e a tudo o que não é sagrado é reafirmada não só uma vez:
... " Não dêem aos cães coisas santas, nem deites vossas pérolas aos porcos, pois voltando-se, eles as pisarão com os pés e as despedaçarão. " (Mt, 7,6)O apóstolo Pedro retrata o porco como um animal imundo, comparando-o àqueles que insistem em se revolver e em permanecer na lama do pecado:
" ... pois aconteceu-lhe o que diz aquele provérbio verdadeiro, o cão retornou ao próprio vômito e o porco lavado, revolveu-se, de novo, no lamaçal. " (2Pe 2,2)Há mais de dois mil anos, o apóstolo Pedro não dispunha de recursos para avaliar a importância dos banhos de lama para o comportamento animal. Provavelmente também não imaginava que o sistema de regulação térmica dos porcos fosse diferente dos humanos, e que, ao contrário destes, não possuem glândulas sudoríparas desenvolvidas.
Pedro também não conhecia as pesquisas realizadas na área do comportamento social da espécie. Segundo estudos, a lama colada ao corpo contribui para fixar odores, necessários para assegurar os limites territoriais e sexuais do animal.
Muito mais tarde e retratada em obras de arte, a imagem do porco serviria para personificar a luxúria, as tentações e os desejos proibidos. Livre do manto da Igreja Católica que cobriu o corpo durante a Idade média, o homem do Renascimento redescobria suas vontades. Ainda não aceitos como parte integrante da personalidade, os desejos eram projetados no mundo exterior e personificados em figuras assustadoras: diabos, monstros e porcos.
O filme Espírito de Porco também é uma reflexão sobre preconceitos e sobre relações de poder estabelecidas entre os habitantes deste planeta. Relações que, fundamentadas também em equívocos e mantidas por juízo de valores, garantem a superioridade de alguns sobre os outros. Sejam eles porcos, ou não.
nane faganello - 01.11.2009
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