segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O doc por Dauro Veras

Minha primeira motivação pra fazer Espírito de Porco foi o impulso de sair da zona de conforto. A ideia que o Chico Faganello me apresentou em 2005 era instigante: narrar a jornada de um porco na suinocultura industrial pelo ponto de vista do animal. Eu já tinha feito outros bons trabalhos com ele. Assim, o convite pra roteirizar e dirigir o filme em parceria me pareceu uma sequência natural e um bom aprendizado. Topei. Montamos o projeto, ganhamos o prêmio e passei os três anos seguintes lidando com merda.

A força da história e de suas vertentes logo me conquistaram. Rios lindos e poluídos em um lugar onde o odor dos porcos é chamado de “cheiro do dinheiro”. Relação desigual entre suinocultores e grande indústria. Tradições culturais e festas dos descendentes de imigrantes. Avanços da genética. Confinamento e coisificação do porco. Prosperidade com alto custo. Enfim, temas desse pedaço de Brasil com os quais o Chico convive desde criança e que eu só conhecia por alto. O olhar “de fora” fez o necessário contraponto à familiaridade.

Conviver com a equipe no processo de construção do filme foi precioso e divertido. Nane, lá da Alemanha, fundamental na pesquisa e com brilhantes insights no roteiro. Lícia, na produção executiva e musical, sempre atenta à essência das coisas e ao controle da grana escassa. Vini, mão firme na assistência de câmera, pronto pra tudo. Cíntia, sensibilidade e precisão na montagem em seu inseparável Mac. Cássio, comendo poeira na produção de campo e nos abrindo portas. Seu Alcides, pai do Chico e da Nane, pioneiro na suinocultura, com seus chistes e risadas (infelizmente, não viveu para ver o filme pronto). Dona Terezinha, mãe deles, doce e hospitaleira. E todos os outros que em diferentes momentos fizeram parte do time. Sou muito grato pela oportunidade que tivemos de criar juntos.

A generosidade do povo oestino é outra beleza a destacar. Sem o apoio deles, este documentário simplesmente não teria acontecido. Muitas pessoas da região têm necessidade de debater essas questões, refletir sobre o futuro. Acho que conseguimos retratar com razoável fidelidade um instantâneo de um momento histórico em transformação. Se para melhor ou pior, depende do conflito entre as forças sociais quanto a práticas que precisam ser revistas. E digo “conflito” no melhor sentido do termo, o de catalisador da evolução.

Por fim, os porcos. Uma imagem deste filme, logo no início, é especialmente marcante: o olhar da porca que acabou de parir. Pra mim, lembra o de uma velhinha, uma bondosa e sábia velhinha que, quando cumpre o seu tempo, desaparece com suavidade. É estranho constatar que todos os animais retratados pela câmera já não existem mais. Transitório e finito porco, como nós todos. Fazer este filme não me transformou em vegetariano, mas a convivência com esses seres foi transformadora. Faz o conceito de bem-estar animal ganhar uma dimensão mais... humana.


Bem-vindos ao filme!

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